terça-feira, 31 de maio de 2011

A análise do DNA mitocondrial em odontologia forense

A análise do DNA mitocondrial em odontologia forense
Lorem Krsna de Morais Sousa ¹
Flávio Furtado de Farias2

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Resumo
Apresentar os aspectos da técnica de análise de DNA mitocondrial no processo de investigação criminal no papel do perito dentista, demonstrando ainda as vantagens e desvantagens deste método em relação a outros utilizados; Mostra a importância de seu uso em acidentes em massa.

Descritores: Odontologia forense, métodos periciais, DNA mitocondrial.
¹ Estudante de odontologia da Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio.
2 Professor Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio. Doutor em Patologia.




Introdução
            Na área forense, torna-se, indiscutivelmente importante, a identificação precisa da origem do material biológico quer por razões humanitárias ou legais. Muitas vezes, iniciada antes mesmo da análise da causa da morte. (GRUBER; KAMEYAMA, 2010, p.1) 
 
          Em acidentes fatais,nos quais as vítimas não podem ser reconhecidas visualmente pelas vestimentas, objetos pessoais e/ou impressões digitais devido à degradação do corpo, seja pela violência da morte ou tempo decorrido, recorre-se à análise da arcada dentária e/ou análise de DNA.

           A identificação através da dentição requer dados ante-mortem, muitas vezes não disponíveis, então cada vez mais se recorre à análise de DNA na odontologia forense. Por vezes, como o último recurso na identificação, sendo o DNA mitocondrial, devido a sua resistência, um aliado em casos de identificação de corpos degradados.

            Este artigo visa à apresentação do uso de DNA mitocondrial na identificação de corpos em acidentes, quando os demais métodos se tornam falhos ou impossibilitados.

O que é DNA MITOCONDRIAL?


           O DNA mitocondrial (mtDNA) humano está nas mitocôndrias, organelas existentes no citoplasma celular que são envoltas por duas membranas e estão presentes na quase totalidade das células eucarióticas, cuja principal função é a de prover energia às células. Além desta função, elas também se envolvem com a biossíntese de pirimidinas e do grupo heme da hemoglobina, no metabolismo do colesterol e dos neurotransmissores, na produção de radicais livres para propósitos específicos na célula (sinalização celular e processo inflamatório) e na desintoxicação desses mesmos radicais em outras situações. (NASSEH; TENGAN; KIYOMOTO; GABBAI, 2001)
 
           Todas as células humanas possuem centenas de mitocôndrias, cada uma destas mitocóndriascontendo várias cópias de uma molécula circular, o cromossomo mitocondrial. Desta forma uma única célula contém um alto número de cópias deste DNA, entre 100 e 10.000 cópias por célula. (KOCH & ANDRADE, 2008) Cada mtDNA tem aproximadamente 16.569 pares de bases de comprimento, e possui duas principais regiões: uma codificante e outra não codificante. A região codificante é responsável pela produção de várias moléculas biológicas envolvidas no processo de produção de energia da célula. Por outro lado, a região controle não-codificante é responsável pela regulação da replicação e transcrição da molécula de DNA mitocondrial. Duas regiões do mtDNA não-codificante são altamente polimórficas na população humana em geral, denominadas região hipervariável I e região hipervariável II. O polimorfismo destas regiões se deve ao rápido acúmulo de mutações nas mesmas, sendo a taxa de mutação nestas de cinco a dez vezes maiores se comparadas a do DNA nuclear. Os testes forenses usando mtDNA são realizados nestas regiões  devido a grande variabilidade encontrada entre os indivíduos, provindas justamente destas mutações.
 
          Porém, não somente da variabilidade provém sua importância na ciência forense, mas também por sua grande resistência enzimática, devido a sua estrutura circular. Assim, em grandes desastres (incêndios, explosões, queda de avião.), quando é mais difícil identificar os corpos, pode-se optar pela análise do mtDNA. Uma célula possui um alto número de cópias de mtDNA, o que o torna um método importante na identificação de tecidos antigos, como ossos e dentes, quando o DNA nuclear  não oferece mais condições de estudo.
 
          Uma das grandes características é sua herança uniparental, sendo passado exclusivamente de mãe para filhos e filhas, uma vez que  mitocôndrias paternas presentes no citoplasma do ovócito  são marcadas para ibiquitinação, e assim, imediatamente degradada.

Seu uso forense

           Como foi dito, a maior importância do mtDNA na análise forense de deve a sua resistência enzimática, tornando-o mais resistente à degradação do que o DNA  nuclear, permitindo seu uso na identificação de corpos mesmo que estes estejam quase completamente destruídos. Isto é de suma importância, em especial em acidentes em massa, em que se analisa o mtDNA dos corpos e os compara com sequências obtidas de possíveis irmãos ou ascendentes maternos.
 
          Como há um grande número de cópias deste DNA em cada célula e estas cópias são virtualmente idênticas entre si, torna-se altamente útil em investigações criminais. Especialmente, porque esta abundância oferece maior chance de algumas cópias suportarem a degradação, dando ao perito uma quantidade maior de material a ser analisado.
 
 
          Em situação em que se torna necessária a identificação do autor de um crime, o mtDNA é mais comumente utilizado quando se apresenta uma amostra mínima do DNA nuclear, como, por exemplo, sendo a única amostra em questão deixada pelo criminosos um pêlo ou um cabelo sem bulbo. Mesmo na ausência de células, encontram-se mitocôndrias sobre os fios de cabelo. 
          A ausência de recombinação (genoma haplóide) permite que as mutações ocorridas sejam acumuladas de maneira cronológica (seqüencial) na molécula de mtDNA, permitindo sua leitura comparativa na linhagem materna. O  grande número de cópias do mtDNA em cada célula humana facilita sua obtenção para as análises genéticas, o que é imprescindível em casos de identificação.

           Por também ser rico SNPs (do inglês single nucleotide polymorphisms  ou “ polimorfismos de substituição de nucleotídeos únicos”) , e não possuir polimorfismos do tipo VNTRs(do inglês variable number of tandem repeats ou “número variável de repetições em tandem”) e STRs (do inglês short tandem repeats ou “repetições curtas em tandem”), o mtDNA é comumente seqüenciado ... na genética forense. Em caso de comparação entre espécimes biológicos, compara-se o polimorfismo nas regiões HV1 E HV2 com aqueles encontrados na linhagem materna, ou  a partir de uma banco de dados evolucionário, biológico ou antropológico da população, quando se deseja enquadrar um suspeito em algum grupo étnico, por exemplo, uma vez que cada população de origem distinta possui uma conjunto específico de SNPs nesta região. (KOCH e ANDRADE, 2008)

           Deve-se, no entanto levar-se em consideração que a tipagem do mtDNA só oferecerá um resultado definitivo e correto se a variação do mtDNA do indivíduo analisado for concordante com a de seus parentes maternos (PARSON e COBLE apud KOCH e ANDRADE, 2008), pois uma vez que a taxa de mutação é muito alta, uma diferença de sequência não significa necessariamente que os indivíduos comparados não sejam relacionados.

           Praticamente todo mtDNA de um indivíduo apresenta a mesma seqüência, devido o seu caráter monoclonal, porém uma condição chamada de heteroplasmia pode existir. Isto devido ao fato que uma mesma pessoa pode apresentar mais de um tipo de mtDNA. Logo a análise de fios de cabelo, por exemplo, pode demonstrar resultados diferentes ou ambíguos.

           A heteroplasmia pode decorrer da mutação do genoma de uma ou mais mitocôndrias, gerando uma mistura de moléculas mutantes e normais. Quando uma célula heteroplasmática se divide, a herança mitocondrial nas células filhas ocorre ao acaso. Depois de vários ciclos de divisão celular, é possível que prevaleça, dentro de uma célula, somente uma das formas de mtDNA, ou o normal ou o mutante, ou ambos (o que gera a situação ambígua na análise).

           A grande relevância da  heteroplasmia se mostra quando se compara DNAs mitocondriais de familiares, principalmente, quando vestígios em análise podem ser provenientes de amostras biológicas de diferentes tecidos do mesmo indivíduo. Quando a mesma heteroplasmia é observada na amostra em questão e na referência, interpreta-se como reforço para a vinculação entre as mesmas. É mais provável que a heteroplasmia seja uma herança materna quando é detectada em todos os tecidos estudados. Por outro lado, a ocorrência de heterplasmia em um único tecido de um indivíduo parece ser proveniente de mutação somática, sendo ela mais freqüente em indivíduos com idade mais avançada.


Conclusão
 
           Para fins forenses, a análise do mtDNA se restringe, na maioria das vezes a situações em que não é possível a análise do DNA nuclear (fios de cabelo sem bulbo), seja quando este material não é suficiente ou adequado ou quando o material apresenta alta grau de degradação.
 
           O uso de  mtDNA possui vantagens e desvantagens na análise forense:
 
           Vantagens: sua resistência enzimática, variabilidade e seu grande número de cópias, sendo muitas vezes a única forma de identificação de corpos degradados.
 
           Desvantagens: sua taxa de mutação, e o a heteroplastia, o que pode vir a levar a resultados ambíguos.


Referências
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2.    FRARI, .P; IWASHITA, A. R.; F.G. CALDAS, J. C ; SCANAVINI , M. A.; DARUGE JUNIOR ,E. Revista Odonto • Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008
3.    GRUBER, J.; KAMEYAMA, M. M. O papel da Radiologia em Odontologia Legal. Pesqui Odontol Bras, v. 15, n. 3, p. 263-268, jul./set. 2001.
4.    GOES, A. C. S;. Identification of a criminal by DNA typing in a rape case in Rio de Janeiro, Brazil. Sao Paulo Med. J. [online]. 2002, vol.120, n.3, pp. 77-79. ISSN 1516-3180.  doi: 10.1590/S1516-31802002000300004.
5.    KOCH, A.; ANDRADE, F.M.; A utilização de técnicas de biologia                     molecular na genética forense: uma revisão RBAC, vol. 40(1): 17-23, 2008
6.     SPADÁCIO, C;  OLIVEIRA, O.F; DARUGE, E; DARUGE JÚNIOR, E; PARANHOS, L.R. Análise do comportamento do amálgama de prata sob a ação de calor e sua importância no processo de identificação humana. RGO - Rev Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v.59, n.1, p.41-44, jan./mar., 2011
7.    BUTLER, J. M. Forensic DNA typing: biology, technology and genetics of STR markers. 2ª ed., Elsevier Academic Press, Burlington, USA, p. 1- 13, 2005.
8.    MELTON, T.; KIMBERLYN, N. Análise forense de DNA mitocondrial: dois anos de experiência comercial Casework nos Estados Unidos.Tecnologias Mitotyping, LLC, State College, PA, EUA
9.    BENECKE, M.DNA forense digitando medicina e em matéria penal Investigações: um inquérito em curso.Institut für Rechtsmedizin, zu Köln Universität, Melatengürtel 60-62, D-50823 Colónia, Alemanha
10.     NETO, W. L. C; CONÉLIO, G. C; CONCEIÇÃO, Estimativa Da Idade Pelos 3° Molares Através De RX: Relato De Caso M. B. RGO, Porto Alegre, v. 54, n.3, p. 230-233, jul./set. 2006
11.    ANZAI-KANTO, E; HIRATA, M.H; HIRATA, R.D.C; NUNES, F.D ; MELANI, R. F.H; OLIVEIRA, R.N. DNA extraction from human saliva deposited on skin and its use in forensic identification procedures. Braz. oral res. vol.19 no.3 São Paulo July/Sept. 2005
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14. CANN, R.L.; STONEKING, M.; WILSON, A.C. mitochondrial DNA and human evolution. rev. nature vol 325,1- january 1987

Links
1.    http://www.colgateprofissional.com.br/LeadershipBR/NewsArticles/NewsMedia/PrevNews/ColgatePrevNews_12_2.pdf
2.    http://pessoas.hsw.uol.com.br/odontologia-forense.htm
3.    http://www.fo.usp.br/departamentos/social/legal/odonto_legal.htm

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