quinta-feira, 23 de junho de 2011

MATRILISINA - uma revisão da literatura

MATRILISINA

Flávio Furtado de Farias1

Histórico
Na década de 1980, foi identificada e purificada uma pequena metaloproteinase no útero de ratas, e denominada metaloproteinase 7. Sugeriu-se que esta metaloproteinase correspondia a proteína Pump-1, purificada em 1990 a partir de uma linhagem de células de carcinoma retal, sendo denominada de matrina devido a sua capacidade de degradar matriz extracelular, o termo matriz metaloproteinase 7 também foi proposto. Foram relatadas atividades de degradação de componentes da matriz extracelular, inclusive colágena tipo IV, por ação de Pump. (30, 32, 38, 61)
Em 1992, o primeiro relato de metaloproteinase 7, constitutivamente e induzível, em células  humanas normais – fagócitos mononucleares em desenvolvimento – já denominando-a de matrilisina. No mesmo ano, a produção em células renais foi relatada, atuando sobre uroquinase, clivando sua porção ativa de ligação a receptores de uroquinase envolvida na ativação de plasminogênio em processos celulares. As células mesangiais glomerulares também produziam esta enzima, e sugeriram que poderia contribuir para a progressão de injúria durante a inflamação glomerular. A matrilisina é expressa também no endométrio, especialmente na fase proliferativa, na placenta, na córnea durante o reparo, e na junção neuromuscular, em vasos e ramificações nervosas de músculos estriados, enquanto na pele do adulto, está restrita a folículos pilosos e células secretórias. (5, 16, 22, 25, 26, 40,41, 47, 56, 60)
Em 1995, verificou-se que matrilisina é constitutivamente produzida por células epiteliais exócrinas por todo o corpo (glândulas mamárias, glândulas parótidas, pâncreas, fígado, próstata, ácinos serosos de glândulas peribrônquicas). As células de Paneth produzem-na constitutivamente no intestino, onde participam da resposta imune inata, através da ativação de prodefensinas, regulando a população bacteriana e a sua capacidade de invadir os tecidos. (43, 57)
A matrilisina já foi identificada em várias neoplasias, inclusive câncer de próstata, gástrico e de colon, gliomas, colorretal, carcinoma colangiocelular hepático, adenocarcinoma esofágico de Barret, carcinoma pancreático, carcinoma de células escamosas da boca e câncer de glândulas salivares. (12, 14, 15, 20, 23, 28, 31, 33, 34, 45, 63)
Diversos autores relacionam a expressão de metaloproteinase 7 e invasão metástase, ou seja, sendo importante para a progressão do tumor. A expressão de matrilisina é regulada por b-catenina/TCF, o que explica a sua alta expressão em câncer de colo retal.(3, 27, 28, 34)
O gene de PUMP foi clonado em Escherichia coli, utilizando um vetor viral – T7. E a estrutura genômica analisada, revelando uma estrutura diferenciada em relação aos genes das outra metaloproteinases, pela ausência do domínio carboxilterminal conservado nas outras e por possuir seis e não cinco éxons. (13, 62).

Biologia da matrilisina
A matrilisina pertence ao grupo das metaloproteinases de matriz que são enzimas contendo zinco e dependentes de Ca++. A família das MMP compreende 23 membros estruturalmente relacionados que são divididos em colagenases, gelatinases, estromelisinas, MMP de membranas e outras MMPs.. A matrilisina (28kd) é a menor MMP, não possui o domínio hemopexina C-terminal comum às outras MMPs. A matrilisina é secretada como uma proenzima de 28-kDa e é ativada por remoção proteolítica  de um prodomínio de 9kDa de sua N-extremidade. Seus substratos (in vitro) incluem proteoglicanos, agrecanos, gelatinas, fibronectina, tenascina e elastinas, bem como componentes da membrana basal – nidogem, laminina e colágeno tipo IV. (7, 45, 35, 36)
A expressão de matrilisina, em tecidos não lesionados, sugere que apresenta função de homeostase nos epitélios, tendo sido sugerido papel na resposta imune inata. Todos os tecidos, em que matrilisina é constitutivamente expressa, são abertos para o ambiente e, assim, vulneráveis a exposição bacteriana. A expressão de matrilisina é fortemente estimulada por exposição a bactérias, e estudos diversos, inclusive com animais “germfree”, indicam mesmo que a microbiota constitui-se no sinal fisiológico para sua expressão. A matrilisina ativa peptídeos antimicrobianos, fatores de crescimento e quimioatraentes para monócitos. Assim, atua como enzima processadora de substâncias chave na comunicação intercelular e célula-matriz. Este estímulo bacteriano à sua produção é restrito a células epiteliais e não afeta a expressão de outras MMPs. Ou seja, a matrilisina é produzida por células epiteliais em resposta a microrganismos. (17, 35, 36)
A matrilisina está envolvida na resposta imune, proliferação celular, morte celular e transdução de sinal em resposta a infecção por Pseudomonas aeruginosa. (17)
Matrilisina participa na degradação de componentes da membrana basal o que sugere importante papel na invasão por células neoplásicas, inflamatórias e no remodelamento dos tecidos. A matrilisina degrada entanctina, fibronectina, laminina, colágeno e proteoglicanos, e pode ativar outras enzimas que degradam a matriz extracelular, como a progelatinase A. As metaloproteinases apresentam um papel principal no remodelamento dos tecidos, e a matrilisina é produzida por células epidérmicas na pele em desenvolvimento embrionário. Os apêndices da pele (folículos pilosos) continuam a expressá-la, mas progressivamente concentrada na porção distal do folículo. Na pele do adulto, está restrita a folículos pilosos e células secretórias. (8, 16, 44, 49)
A matrilisina é constitutivamente produzida por células epiteliais exócrinas por todo o corpo (glândulas mamárias, glândulas parótidas, pâncreas, fígado, próstata, ácinos serosos de glândulas peribrônquicas), e especulam que tem função fisiológica prevenindo a obstrução glandular. Por outro lado, pode ser um importante mediador, através da clivagem de FasL, da apoptose em células epiteliais. (37, 43)
A matrilisina é produzida por células de Paneth, onde participam da resposta imune inata, através da ativação de prodefensinas, regulando a população bacteriana e a sua capacidade de invadir os tecidos.  E, a exposição a bactérias estimula a sua produção. Seu amplo espectro de expressão em diferentes órgãos sugere que tem função comum nestas mucosas, e pode ser a de ativar defensinas. As defensinas produzidas por células de Paneth são moléculas efetoras da imunidade inata intestinal e alteram marcantemente a composição da microbiota comensal do hospedeiro. A expressão de matrilisina pode ter uma função protetora contra translocação bacteriana. (9, 21, 46, 58, 61)
A matrilisina é produzida por células suprabasais do epitélio juncional da gengiva e pelas células dos restos epiteliais de Malassez, sendo estimulada sua produção por diversas bactérias da microbiota periodontal, entre as quais Fusobacterium nucleatum, Fusobacterium necrophorum, Peptostreptococcus endodontalis e Prevotella denticola, tendo assim importante papel na fisiologia do epitélio juncional. (54)
As metaloproteinases são responsáveis pela degradação de proteínas dos tecidos conjuntivos, além de ativar citocinas, quimiocinas, receptores e peptídeos antimicrobianos. A matrilisina também é importante para mediar a liberação proteolítica de TNF por macrófagos, e é induzida pela exposição a bactérias, e, curiosamente, sob hipóxia. A hipóxia também estimula a ativação de MMP em células do músculo liso da bexiga. (1, 4, 35)
A matrilisina também parece possuir função de regular a atividade de elastase dos leucócitos por degradar alfa-1-antitripsina, podendo participar da patogênese do enfisema, e pode servir de marcador sérico para fibrose pulmonar idiopática. Além disto, produzida no capuz fibroso de placas ateroscleróticas pode contribuir para a formação de trombos uma vez que atua sobre TFPI inibindo sua ação anticoagulante. Macrófagos e cardiomiócitos são fontes ricas em matrilisina, e níveis elevados desta MMP são encontrados após um infarto agudo do miocárdio, além de alguns de seus substratos, tais como fibronectina e tenascina C. (2, 6, 42, 48, 50)
A matrilisina clivando diversos fatores de crescimento está envolvida na modulação do comportamento celular.(29)
Diferentes metaloproteinases participam do reparo de diferentes tecidos. Matrilisina não é expressa durante o reparo da pele, mas sua expressão em outras células tem diferentes funções a depender de uma expressão apical (ativação de defensinas) ou basal (migração celular). A matrilisina é uma MMP pró-inflamatória e pode retardar o processo de reparo de feridas.(35, 56)
A produção de matrilisina é necessária para a migração de macrófagos durante o período embrionário.(53)
A metaproteinase 7 já foi identificada em várias neoplasias, inclusive câncer de próstata, gástrico e de colon, gliomas, colorretal, carcinoma colangiocelular hepático, adenocarcinoma esofágico de Barret, carcinoma pancreático, carcinoma de células escamosas da boca, câncer de glândulas salivares. (12, 14, 15, 20, 22, 28, 31, 33, 34, 45, 62)
A expressão de matrilisina está associada a carcinoma de células escamosas da boca com comportamento mais agressivo.(7)
A secreção de matrilisina ativada por células neoplásicas pode clivar RANKL a partir de células neoplásicas expressando RANKL, e liberar a forma ativa solúvel de RANKL e induzir a ativação de osteoclastos e a reabsorção óssea. A degradação óssea então permitiria a liberação de fatores de crescimento do tumor, tais como fator de crescimento semelhante à insulina, fator de crescimento transformante e fator de crescimento fibroblastos, que estimula um ciclo vicioso entre os processos osteolíticos e o desenvolvimento de tumor na matriz óssea. (7, 52)
A degradação dos componentes da matriz extracelular é primariamente controlada por o balanço entre enzimas proteolíticas denominadas de metaloproteinases da matriz (MMPs) e inibidores de MMPs teciduais correspondentes (TIMPs). A metaloproteinase 7 foi detectada nas células epiteliais de adenocarcinoma de próstata e em glândulas displásicas mas não no estroma. (7, 34)
Diversos autores relacionam a expressão de metaloproteinase 7 e invasão metástase, ou seja, sendo importante para a progressão do tumor. A expressão de matrilisina é regulada por b-catenina/TCF, o que explica a sua alta expressão em câncer de colo retal. Sendo produzida por células neoplásicas, e não pelas estromais, a enzima pode ser produzida e direcionada diretamente para o alvo. (3, 27, 28, 29, 52)
Inibidores de metaloproteinases da matriz (MMPI) podem interromper a destruição periodontal durante periodontites. Por outro lado, existem relatos de que os níveis de TIMP-1 estão associados com aumentada inflamação periodontal.(11, 39)
A matrilisina está associada às defesas inatas nos tecidos periodontais. Tendo sido observado que extrato de semente de uva e licoricidina é capaz de inibir a secreção de diversas MMPs, inclusive matrilisina, por macrófagos, com potencial uso terapêutico em periodontites. Derivados da matriz do esmalte (Emdogain) poderiam, além de estimular a proliferação e sobrevivência de células do periodonto, equilibrar o balanço entre MMP-TIMP no tecido gengival e interromper a destruição da matriz extracelular. (11, 18, 19, 64)
A expressão de matrilisina é estimulada por fator de crescimento epidérmico (EGF), via fatores de transcrição PEA3, por Wnt nos rins. Além disto, EGF regula a expressão de matrilisina de forma dose dependente, e sugerem que EFG exerça função na destruição periodontal e no reparo de feridas. (10, 24, 50)

Considerações finais
A produção de matrilisina por diferentes tecidos indica a importância de seu papel fisiológico, enquanto o nível aumentado em situações patológicas a torna alvo de estudos sobre a sua participação na patogênese de diversas doenças e de farmacoterapia.
Desta forma, verificam-se diversas funções fisiológicas ou patológicas para a matrilisina, destacadamente a ativação de defensinas, na resposta imune inata, e de citocinas e fatores de crescimento em diversos processos de sinalização celular, inclusive no metabolismo ósseo, com importante repercussões em doenças que envolvem desde o equilíbrio da microbiota gastrointestinal até o avanço de destruição óssea das doenças periodontais e invasões metastáticas osteolíticas de diversos neoplasma, passando pelos processos de fibrose e distúrbios do reparo do aparelho respiratório.
A produção de matrilisina por células do epitélio juncional e por células do restos epiteliais de Malassez, ao redor das raízes dentárias, e, as funções desempenhadas por esta MMP, oferecem a oportunidade de se realizar estudos para verificar a relação entre estas estruturas, a produção de matrilisina e os diversos distúrbios patológicos envolvendo o periodonto, bem como de situações terapêuticas como os tratamentos periodontais e ortodônticos.

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